sábado, 22 de novembro de 2008

Porto

Consultar um instrumento das letras como o dicionário é sempre oportunidade para recordar o quanto as palavras nada valem, nada são.
do Lat. portu

s. m.,
__lugar reentrante na costa do mar ou junto à foz de um rio, onde os navios podem fundear;
__lugar onde se embarca ou desembarca;

fig.,
__lugar de refúgio ou de descanso;
__abrigo;
__vinho do Porto.


Já diziam à Alice que o significado que as palavras têm é apenas o que cada pessoa lhe atribui, consciente disso ou não, na imensa e complexa rede de conceitos vivos no seu tecido cerebral. A palavra Porto tem para mim, na malha de circuitos do meu tecido cinzento, significado pessoal, que nada se prende com definições comuns, quer à cidade quer ao néctar de uva local.

Tem talvez pontos de contacto com um desses portos de dicionário, que podem ser de abrigo ou desembarque, que quando navegamos em águas estrangeiras, porto desconhecido que nos recebe em terra estranha. (1)

O Porto que penso é muito próprio: Porto que é porta à memória, ponto de contacto, olhos nos olhos, com a saudade. De tal ordem que mesmo de pouco contacto e de poucas horas convividas, de quase zero conhecimento, por algo comum, nutre-se ternura e cumplicidade um pelo outro.
Compreendemo-nos e entendemo-nos sem sabermos nada do que o outro sabe ou pensa, de tal ordem que a conjugação no plural é em boa verdade um abuso de minha parte.

Compreendemo-nos e entendemo-nos porquando nos olhamos não nos enxergamos um ao outro mesmo estando à frente um do outro. Vemos além disso. (Vemos-te a ti António.) Como vêm, se estão a ler, as palavras nada são. Falei de coisas que só eu sei, de modo estranho talvez, porque talvez entenda que não as devo deixar claras. As palavras nada e tudo são.


PS: Adeus Porto.


1) Como é fácil cair em falácia quando percorremos os fios emarenhados do pensamento! Dizía acima que nessas teias de ideias do raciocinio, as palavras nada são, por serem tão próprias e pessoais, e no entanto, já antes do dilema da comunicação das ideias, só na solidão do nosso pensar, os conceitos não sabem sobreviver anónimos, carecem de nome para os podermos examinar. E se nos excusarmos dessa actividade de pensar o pensar, antes mesmo de limitarmos a comunicação, já nos estamos a reduzir ao estatuto dos outros animais sem língua que se entenda.

sábado, 15 de novembro de 2008

23













O senhor das gravatas rosas agradece as mensagens, as chamadas, as surpresas, e outros mimos, inclusive as chamadas que não atendi (desculpa *) e as que, por vinte minutos ou mais algumas horas, já só vieram no dia 13.


'Brigado.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Acordar

Que droga foi a que me inoculei?

Nem ópio nem morfína. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante
Manhã tão forte que me anoiteceu.

excerto de «Alcóol» de Mário de Sá Carneiro

Fon Fon Fon

Tasquinhas de Arruda, 5 Nov 2008, Deolinda alegra a noite com especial destaque para o fon fon fon.




Num registo mais meloso, há quem ande a raptar Melros para usufruto pessoal.

sábado, 1 de novembro de 2008

racionais

A perseguição da excelência, qualquer que seja a sua definição e o seu contexto, é uma busca que não termina. É uma prática, é um contínuo, é um desafio constante que requer a luta diária contra o laxismo em todos os cantos onde o encontremos e toda a situação em que a preguiça nos tente. Como aconselha a Rainha de Copas à Alice: no mundo real tens de correr duas vezes mais depressa só para te manteres no mesmo sítio.

«We are what we repeatedly do.
Excellence then, is not an act, but a habit
Aristotle

Urge repetidamente uma chamada de confronto interno com a realidade. Nessa actividade contínua e implícita de todos que é a arrogante vontade de querer ser mais e melhor, há a sublinhar a importância do ponto de controlo necessário a qualquer gestão, o terceiro passo no ciclo de Deming: check.

«Obstinas-te em ser mundano, frívolo e irreflectido, porque és cobarde. Que é, senão cobardia, o não quereres enfrentar-te contigo mesmo?»
Josemaría Escrivá

Este é naturalmente o ponto problemático do processo pois envolve a maldita introspecção, como nos aconselha a placa na cozinha da Oráculo (Matrix): know thyself. O passo seguinte, o da acção em conformidade com a situação identificada, deveria ser uma consequência natural emergente deste conhecimento.

Se o não é, falha de base a resolução, a solidez do conhecimento, ou a honestidade e profundidade da introspecção. Pior será se falha de base a vontade, a crença, e a motivação implícita de trilhar um caminho que se diga de progresso, de mais e melhor, e de salutar individualidade. Não é necessário conhecer o caminho, até porque não é possível conhecer o caminho. Mas como responde o gato à nossa confusa amiga Alice: senão sabes para onde vais, qualquer caminho te levará lá.

Os trajectos pré-programados são portanto inúteis. O importante é saber como se quer caminhar, porquê, e saber ajustar o percurso à medida que vai sendo trilhado.

«I have always found that plans are useless, but planning is indispensable.»
Dwight Eisenhower

É deste processo que são feitas as únicas certezas válidas, as da ciência. As leis que são forgadas na chama da dúvida. É apenas sobre uma cultura de dúvida, de inquisição, de contante verificação que se podem manter válidas crenças, admitindo-as como hipóteses a (des)provar e não como inquestionáveis.

É pela submissão ao processo científico da dúvida e à vontade da melhoria contínua que podemos estar certos de que a nossa liberdade não é alienada. É assim o método científico, deveria ser assim (por principio é) o método eleitoral vigente dos estados democráticos. Funciona para a evolução da raça e para a passagem e melhoria do conhecimento colectivo. É a base da governação mais igualitária e imparcial que até ao momento se conseguiu atingir (ainda que menos eficiente a nível financeiro, é um preço a pagar de bom grado pela garantia da liberdade).

Parece-me por tudo isto um bom modelo para governação pessoal.

Mas fora deste âmbito do rigor e da frieza e do que é mensurável nas relações humanas, surgem os pequenos saltos de fé. A palavra pequenos é aqui empregue com um intento manipulador pois todos os saltos de fé, sendo saltos, são para qualquer cientista grandes demais.

Mas, humanos que somos, resta-nos nas nossas interacções, humanas, simplificar as nossas crenças. Dogmatizar. Em particular as crenças mais complexas. É-nos portanto necessário, por optimização, aceitar como certo o que não podemos, não sabemos ou não queremos verificar.

É preciso em certos pontos, dar um salto de fé, mesmo sabendo que existe o risco de se cair. É assim que se lança qualquer empreendimento, financeiro, empresarial, social, pessoal, individual ou partilhado, que tenha a boa ventura e o privilégio de alcançar algum sucesso e com um pouco de sorte, tornar-se algo duradouro.

«Ever tried. Ever failed. No matter. Try Again. Fail again. Fail better. »
Samuel Beckett

Todos caímos, mas sem tirar as rodinhas à bicicleta ninguém aprende o equilíbrio. Como Locke (o careca da naifa, não o filósofo) por vezes quando estamos perdidos resta-nos este salto.

Chama-se confiar.

Dito tudo isto, gostava de concluir sublinhando que tudo o que digo está naturalmente, tal como o próprio método cientifico e o regime democrático enquanto formas de organização e pensar,
sujeito à prova (em contrário). Todos os comentários são portanto encorajados e bem vindos.

Bem, tudo à prova menos isto: Sejam felizes!

:-)